domingo, 20 de agosto de 2023

IRMÃOS: VALE A PENA TER O SEGUNDO FILHO?

 

(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)



Aí, o papai e a mamãe decidem ter o segundo filho.

Ter dois filhos significa, entre outras coisas, ter dois irmãos dentro de casa. No meu caso, duas irmãs – e com uma diferença de pouco mais de dois anos entre a mais velha e a mais nova. Talvez isso não faça muita diferença para o futuro papai que foi filho único. Mas quem já dividiu o quarto, a barriga da mamãe e aquele pacote de biscoitos roubado da cozinha com outro ser que possui mais de 99% do seu DNA sabe muito bem do que eu estou falando.

O irmão é um eterno caso de amor mal resolvido na vida um do outro. É ele quem te ensina a lidar com os sentimentos mais nobres e mais desprezíveis da alma humana. O irmão é aquele que te inspira a mais doce e sincera ternura por ser alguém que divide contigo o mesmo pai, a mesma mãe, o mesmo sobrenome e, muitas vezes, o mesmo lugar no sofá da sala. Também é quem te faz despertar para o mais vil e repulsivo dos ciúmes exatamente por ter que dividir contigo o mesmo pai, a mesma mãe, o mesmo sobrenome e, muitas vezes, aquele disputado lugar no sofá da sala – “sai de cima dessa almofada e me devolve o controle remoto senão eu te esfolo vivo!”

O irmão é o seu inimigo mais íntimo.

É o amigo com quem você mais briga e faz as pazes.

É alguém que você não quer ver nunca mais, mas morre de saudades quando fica distante. Com ele você aprende a amar e odiar ao mesmo tempo uma só pessoa, sem estar casado com ela.

É pau para toda obra. É pano para manga.

É quem vai te defender na escola durante a juventude.

Seja mais novo ou mais velho.

É quem vai estar ao seu lado na hora de dar risada e quem vai te oferecer um lenço se for preciso enxugar as lágrimas.

E, no futuro, é quem vai compartilhar contigo as lembranças do passado. Quando ninguém mais se lembrar delas, a não ser ele.

Até esse ponto, acho que todo mundo concorda.

O difícil é explicar tudo isso para as duas baixinhas, enquanto elas se atracam no tapete do quarto porque o sorvete de uma tem mais cobertura que o da outra. O máximo que você vai conseguir, nessa situação, é um chute na canela ou uma mordida no antebraço. E não se engane. Antes que você possa gritar a mamãe por socorro, elas já terão feito as pazes e estarão rolando de rir pelo chão afora. E o sorvete de chocolate todo derretido sobre o tapete.

Vida que segue, parceiro.

E como não há outra coisa a ser feita, o jeito é se preparar para enfrentar as infinitas crises de ciúmes que ainda virão pela frente. Não importa que a boneca da filha mais nova seja absolutamente idêntica à da filha mais velha. Elas sempre encontrarão um jeito de começar uma discussão porque o cabelo de uma tá assim, o vestido da outra tá assado... E lá vai o superpai separar mais uma briga. Faço isso pelo menos dezenove vezes por dia com minhas duas princesas lutadoras.

Mas no fundo eu sei que elas se amam.

Desde a primeira vez em que se viram.

A Liz chegou da maternidade toda embrulhadinha na manta de tricô e a Lara logo veio correndo para ver a novidade. Ajudou a preparar o berço, dar o banho, trocar a fraldinha e a fazer o curativo no cordão umbilical. Então, saímos eu e ela do quarto para que a mamãe pudesse amamentar a mais nova moradora da casa.

- Gostou da sua irmãzinha, Lara? – perguntei.

- Gostei – respondeu ela, sem muita convicção.

Um minuto de silêncio e a danada emendou em seguida:

- Gostei... Mas a que horas ela vai embora, papai?


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quarta-feira, 27 de abril de 2022


A maior satisfação de escrever um livro é um retorno deste, vindo de alguém inteiramente desconhecido! De certa forma, sinto-me ligado a ele e a tantos outros amigos improváveis que fiz nesta aventura literária! Missão cumprida.



 

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Minha Filha disse um Palavrão!

 

(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)



Nunca tive problemas com palavrões.

Problemas de ordem moral, quero dizer.

Jamais tive o menor pudor de dizer porra, merda ou caralho e, para ser sincero, até acho que o palavrão tem sua hora e vez numa conversa informal. Aliás, um palavrão bem empregado pode ser mais eficiente que uma descrição de mil palavras, sob o ponto de vista da comunicabilidade. Ou você duvida que um sonoro puta que pariu possa substituir prontamente uma infinidade de explicações longas e tediosas quando tudo à nossa volta dá errado?

Pois é.

Era exatamente isso o que eu pensava até ouvir minha filhinha de dois anos dizer seu primeiro palavrãozinho.

Já passava da hora de dormir e a pivetinha se recusava a subir para o quarto. Pulava no sofá, brincava com as bonecas e corria pela sala a toda energia de suas pilhas alcalinas. Nada a fazia parar. Com muito custo, a mamãe já exausta conseguiu convencê-la a aceitar a mamadeira e seguir o caminho da cama. A baixinha, então, deu uma trégua na correria e passou a caminhar com os passinhos arrastados e sonolentos rumo à escada. Foi quando, ao subir no primeiro degrau, ela se deu conta de que havia esquecido sua boneca favorita largada pelo chão. Aí, a mocinha entregou a mamadeira de volta à mamãe e saiu pisando fundo na direção do brinquedo, não sem antes deixar escapar um inesperado e estrondoso:

- Putapaliu!

O papai fez o que pôde para conter a gargalhada.

A mamãe o fuzilou com o rabo do olho.

 

Quarenta minutos depois.

A filha finalmente dormiu e a esposa agora desce as escadas, furiosa. O homem já preparado para a inevitável discussão.

- Tá satisfeito agora? – dispara ela contra o marido.

- Como?

- Não se faça de desentendido!

- Foi o palavrão, né? Não foi incrível? Ela nem sabe o que significa, mas já conseguiu inseri-lo num contexto inteiramente adequado às circunstâncias. Como é espertinha essa garota...

- E você ainda debocha?

- Ora, vamos... Diz que não foi engraçado?

- Nem um pouco.

- Pelo jeito, a maternidade tirou seu senso de humor.

- E a paternidade deve ter tirado seu senso de responsabilidade. Quantas vezes já lhe falei para não dizer palavrão na frente da menina?

- Ah, corta essa! Você sabe que eu até tento me controlar, mas quando vejo já escapou o bendito...

- Sei...

- E também tem o seguinte: cedo ou tarde ela ia acabar aprendendo essas coisas mesmo.

- Só que não precisava ser tão cedo. Nem dentro de casa.

- Ai, ai...

- E eu pensando que ela só fosse aprender isso quando estivesse na escolinha. Mas, pelo jeito, é ela quem vai ensinar às outras crianças.

- Querida, isso não é o fim do mundo...

- Não, é só uma puta falta de educação.

- Opa! Acho que ouvi um palavrão!

- Ouviu nada! Eu disse puta com significado de muita.

- E puta não é palavrão?

- Seria em outro contexto.

- Ah, certo.

- Que foi? Ninguém é infalível não!

- Então você admite que também fala palavrão?

- Nem fodendo, falo porra nenhuma.

 

Estudos científicos revelam que os palavrões surgem no sistema límbico, que é mais ou menos o porão do cérebro, uma zona mais primitiva de nossa mente que, na maior parte das vezes, é inibida pelo pensamento consciente e costuma aflorar somente quando tropeçamos numa pedra ou quando o atacante do nosso time perde um pênalti na final do campeonato.

Palavrões são assim mesmo.

Imprevisíveis e incontroláveis.

Pior que dor de barriga quando vem com tudo.

E há de se convir que eles fazem parte da língua escrita e falada como fiel expressão de nossos sentimentos mais íntimos. Palavrões traduzem a apoteose da liberdade gramatical. O desatino da sintaxe. A lacuna do dicionário. A revolução do submundo das letras. É a redenção da semântica no resgate da contracultura. E talvez outras coisas mais.

Entretanto, reconheço que existem pessoas cuja sensibilidade poética pode se fazer incomodada em meio às cobras e lagartos da literatura vulgar. Nem todo mundo se sente à vontade nos subterrâneos do idioma formal. E o fato é que estou sinceramente tentando me corrigir. Por isso, desde já, antecipo minhas desculpas a quem achou este texto repugnante e ofensivo.

Espero que não me leve a mal.

Ou então, foda-se!


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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

O Sexo dos Caramujos

 

(Este texto é parte integrante do livro Pai de Menina²: Como Sobreviver com Duas Filhas, de Eduardo Buzzinari)


O mundo é gay.

Foi o que me disse, certa vez, alguém cujo nome já não me recordo. Sabe como é, a idade vai avançando e a memória não é mais a mesma de quando era capaz de dizer a escalação do Brasil de 94 de cor. Hoje mal me lembro da dupla Bebeto e Romário. Tinha ainda o Taffarel, o Dunga... E outros nomes me vêm à cabeça, mas já não sei se eram jogadores da seleção ou meus colegas de primário. O fato é que o mundo está ficando cada vez mais gay – o que é ótimo sob vários aspectos.

A liberdade de expressão foi elevada a seu expoente máximo, permitindo que todos manifestem publicamente suas preferências sexuais num carnaval de liberdades que dura o ano inteiro, mesmo fora da Bahia. Todos são livres para escreverem o que pensam na linha do tempo do facebook e postarem suas selfies fazendo pose no espelho. Abaixo a repressão moral! E qualquer comentário debochado ou preconceituoso é impiedosamente condenado ao repúdio coletivo e à execração nas redes sociais.

Tudo isso é maravilhoso, mas pode causar certos embaraços.

Fico pensando, por exemplo, na situação daquele pai e daquela mãe que estão decidindo o nome do bebê. Como fazer a escolha certa sem saber se, no futuro, aquela criança irá assumir uma opção sexual coincidente com a sua anatomia? Talvez fosse o tempo de se atualizar o registro civil para fazer constar duas alternativas na certidão de nascimento: um nome oficial para o sexo presumido e um nome reserva para o plano B – a escolha seria do próprio interessado ao completar dezoito anos. Assim, Sansão poderia se tornar Dalila, João poderia se tornar Joana e Juraci poderia ficar do mesmo jeito, pois tanto faz.

Engraçado que esse assunto me faz recordar a história do sexo dos caramujos, que li, anos atrás, não me lembro mais onde – minha memória anda mesmo péssima, ainda bem que tem o google para uma pesquisa de última hora que confira um mínimo de credibilidade a este texto. Como eu ia dizendo, certos tipos de caramujos trocam de sexo ao longo da vida. Isso mesmo. Trata-se de um engenhoso mecanismo evolutivo que amplia as chances de sobrevivência da espécie, na medida em que cada organismo carrega dentro de si os gametas masculino e feminino. Na prática, o caramujo nasce macho, torna-se fêmea após algum tempo e passa a maior parte da vida nessa condição, voltando a ser macho pouco antes de morrer. É um dos poucos animais que vive a experiência da sexualidade em sua plenitude. Só não imagino a dificuldade para os papais caramujos escolherem um nome que combine com seus filhotes diante dessa multivariedade sexual....

O fato é que, após muito refletir, enfim cheguei a uma conclusão. Os caramujos ainda não sei, mas se eu tiver um terceiro bebê, vou batizá-lo de Ariel. Aí, quando ele crescer, vai poder decidir se quer ser homem, mulher, sereia ou marca de sabão em pó.

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